[Este relato foi extraído do livro "INCRÍVEL! FANTÁSTICO! EXTRAORDINÁRIO!", com edição do ano de 1951, o qual foi feito com base em
um programa da rádio com o mesmo nome e transmitido pela Tupi do Rio de Janeiro, entre os anos de 1947 e 1958, tendo sido criado por Henrique Foris Domingues, o "Almirante", que era o próprio locutor do programa de rádio, onde eram contadas histórias sobrenaturais enviadas pelo público, as quais eram analisadas quanto à sua veracidade, sendo somente aprovados após a análise realizada.
Este relato aqui publicado é uma homenagem à este ótimo programa radiofônico que fez muito sucesso em sua época, não deixando dessa forma que as lembranças de sua realização se apaguem com o tempo.]
Obs.: Algumas descrições de rotinas, dos costumes, da existência de comércios ou localidades estranhas aos dias atuais, e mesmo a maneira como os fatos foram descritos, utilizando um linguajar diferenciado, são da época do ocorrido, o qual se passou entre as décadas de 1940 e 1950, quando existiam bares em estações, vias de terra e com matagais nas várias cidades do Brasil e outros costumes desconhecidos pelos mais jovens da atualidade.
Naquela época, já distante dos dias atuais a TV ainda estava no início, e o principal meio de distração das famílias era o rádio, onde geralmente todos se reuniam ao seu redor para ouvirem radionovelas, músicas e programas que atraiam os interesses de muitos ouvintes, como o "INCRÍVEL! FANTÁSTICO! EXTRAORDINÁRIO!".
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O caso que vou relatar passou-se comigo mesmo, por volta do ano de 1927, quando residia com minha família no lugar denominado "Porto Velho", no Município de São Gonçalo (Rio de Janeiro).
Meu pai, Manoel Fogaça, possuía ali uma indústria, na qual juntos trabalhávamos.
Certa vez, numa quinta-feira, fui dar um passeio até à ponte das barcas, em Niterói e, ali chegando, resolvi ir a uma sessão no cinema Royal, hoje demolido.
Assisti calmamente na segunda sessão, à passagem do filme, cujo nome não me recordo, mas que tinha como artista principal Harry Carey.
Ao sair, chegando à Praça Martim Afonso, verifiquei que o bonde das 23:10', da linha Alcântara, já havia seguido seu destino.
Tendo perdido esta condução, aliás a última que passava no Porto Velho aquela hora, não tive outro remédio senão seguir no bonde de Neves.
Ao saltar no fim dessa linha, já passava meia hora da meia noite,vi um botequim aberto.
Entrei, tomei um café e fiquei pensando na longa caminhada que teria de empreender até Pôrto do Velho.
Recordava-me também de certas coisas anormais contadas por pessoas da minha região, referentes à rua que eu teria de percorrer e, principalmente, a uma certa ponte de tábuas, muito velha, que se denominava "Ponte das Brandoas", onde, segundo diziam, qualquer pessoa que por ali passasse altas horas da noite, ouvia gemidos, via assombrações e outras coisas mais.
A rua a que me refiro chama-se Alberto Tôrres, a qual é muito longa e, de certo trecho em diante, deserta e perigosa.
Quando o relógio do botequim assinalava 1 hora da madrugada, o dono aproximou-se e me disse com seu sotaque lusitano:
- Como é, rapaz? vou fechar o "boteco".
Confesso que estava temeroso de enfrentar quaisquer perigos e, ao sair, caminhei até o portão das Oficinas Rime, na esperança de que aparecesse alguém que me servisse de companhia até Porto Velho.
Finalmente, depois de aguardar uma meia-hora, saiu das oficinas um rapaz, que deixara o serviço aquela hora.
Passou por mim e seguiu seu caminho.
Não tive dúvidas em segui-lo e tomar a mesma direção até alcançá-lo.
Cumprimentei-o e fomos conversando até à Avenida Paiva (justamente a metade do caminho), quando esse companheiro parou para despedir-se, declarando morar ali, no fim da Avenida. E perguntou-me:
- Onde mora?
Tendo eu lhe dito onde residia, declarou -me:
- O Sr. tem muita coragem em atravessar a Ponte das Brandoas a esta hora! Eu, por coisa alguma, passaria por ali agora.
Depois de sua saída, fiquei pensando se devia ou não prosseguir viagem, quando, num rasgo de coragem, considerei que "um homem é um homem", e pus-me a caminho.
Ao passar pela malsinada ponte, um arrepio percorreu-me todo o corpo e foi nesta situação que a atravessei, sem entretanto ter visto ou ouvido nada de extraordinário.
Supunha, então, haver vencido o maior obstáculo.
Entretanto, mais adiante, depois do cruzamento da linha da ferrovia Estrada de Ferro Leopoidina com a Cantareira, próximo a um pequeno pontilhão, sobre o qual passam os trilhos daquela Companhia, avistei uma certa claridade.
Aproximando-me, verifiquei tratar-se de 4 velas acesas nos cantos de um lençol branco estendido no chão.
Ao lado, de pé, olhando atentamente para o lençol, estava um homem alto, vestindo um longo capote Preto que lhe ia até os pés e trazendo à cabeça um grande chapéu da mesma côr.
Ao ver aquêle quadro, o que mais me impressionou foi observar que o homem mais parecia uma múmia, imóvel como estátua.
Com dificuldade consegui passar pelo local, porém, mais adiante, já em Porto do Velho, próximo à minha residência, bem no meio do cruzamento das linhas de trem, repetiu-se a mesma cena: vi as velas, o, lençol e o homem de capote e chapéu preto!
Ao enfrentar aquele quadro em tudo semelhante ao anterior, ainda mais horrorisado fiquei, mas não havia outro caminho.
Fui seguindo pela extremidade oposta e ao passar pelo vulto, tentei ver a fisionomia do homem.
Não consegui avistar o rosto do estranho personagem, porque o grande chapéu que usava encobria a metade de sua cabeça.
Logo que consegui me distanciar daquele sinistro local, ouvi uma voz chamar-me e caí na tolice de olhar para trás.
Bem próximo de mim estava o tal homem com o chapéu numa das mãos, e uma vela na outra, mas sem cabeça!
Ao ver tão horripilante figura, corri desabaladamente em direção à minha casa, ouvindo na minha retaguarda repetidas gargalhadas e longos assobios.
Cheguei em casa, metendo os pés na porta da sala de jantar (que minha mãe sempre deixava escorada com uma cadeira, para que eu, ao chegar, não perturbasse o sono dos demais e, fazendo uma barulhada infernal, caí desacordado sôbre o assoalho.
Meus pais e irmãos, despertados pelo acontecido, me acudiram para ver o que acontecera comigo e me socorreram.
Só depois de recuperar os sentidos, ainda cheio de pavor, pude lhes contar o sucedido.
Na manhã do dia seguinte, ainda com os nervos abalados, fui, por curiosidade, verificar os lugares por onde havia passado na véspera, para ver se existia algum indício anormal.
Nenhum vestígio de cêra das velas, nada que relembrasse o que eu havia visto com meus próprios olhos!
Todavia, no pontilhão, já rodeado por muitas pessoas, jazia o cadáver de um homem que o trem da Companhia Leopoldina apanhara naquela noite.
O corpo estava coberto com um lençol branco, colocado por pessoas caridosas, logo após o desastre.
Minha curiosidade fêz com que me aproximasse e levantasse o lençol.
Assombrado verifiquei que ali estava um corpo com a cabeça esmigalhada.
Tratava-se de um homem alto, trajando roupa e capote pretos, tendo ao lado um grande chapéu, também preto.
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Floriano Fogaça
Bairro de Ramos - Rio de Janeiro - RJ
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